cada vez gosto mais de bolos. Ando mesmo caída por fotografias de bolos cremosos, especialmente de chocolate. E, por vezes, até isso me parece indecente, dado o colapso absurdo de sofrimento e destruição a que assistimos, mas temos de inventar encantos. Mas nem tudo são bolos.
Adorei o filme de Michel Franco, As filhas de Abril, tão humanamente cruel. A manipulação limite, ou seja, quando existe consciência do caminho que é preciso ir fazendo para se chegar ao controle do outro, sempre com muito encantamento e as melhores intenções, é de arrepiar. As reacções de concordância e de imobilidade que, por norma, vão ocorrendo são, por vezes, perturbadas por desvios arrojados que paralisam o guião. Pensamentos relâmpago, pequenos detalhes e eis outra história.
Só hoje vi este belíssimo filme que passou na RTP2. A vida tem disto, quando pensamos que não perdemos grandes coisas, aparece-nos, sem sequer termos pedido, uma bela fatia de pão de rala e uma chávena de chá quentinho numa esplanada calma, à beira-mar. Ou outro mimo inesperado e bom.
A realidade é, tantas vezes, difícil de acompanhar, valem-nos os ideais e os sonhos e, sobretudo, o amor. Neste filme nada é esquecido, até a música. Situando-se antes da queda do muro de Berlim, a mãe sofre um ataque cardíaco - quando se dirige para uma reunião e vê o filho a ser preso numa manifestação contra o regime - e entra em coma durante oito meses, tempo em que a vida tanto muda no seu país. O esforço e empenho do filho é mais do que comovente, é um hino de amor, tentando poupá-la da ocidentalização da sua Alemanha. Com a ajuda de um amigo, gravam em cassetes noticiários num registo que já não existe e muda compotas para frascos cada vez mais difíceis de encontrar, tudo para manter na mãe o empenho e o desejo de intervir numa sociedade mais justa. Só mais tarde saberá que a par da militância, existiam também muitas dúvidas sobre a sociedade amplamente igualitária.
Entrar nas fantasias de quem amamos e dar-lhes consistência é tão gratificante que comparo com o que fazemos às nossas crianças, corremos, cantamos e fingimos que bebemos chá nas chaveninhas de plástico.
A delicadeza e a gentileza, motores maiores da humanidade.
bem hajas amiga de há tantos anos. Neste tempo de falta de esperança para o mundo que sonhávamos para os nossos filhos e netos não tens desanimado, pelo menos durante muitos dias, o que já não é pouco. Continuamos a encher boias, algumas com furos, com a força que ainda temos e que vamos fortificando com os livros, filmes e cozinhados. Continuamos a acreditar que tudo vai melhorar, que não vai ficar tudo bem, até porque já não estava, mas que os jovens se vejam como pré homens e mulheres, que arregacem mangas e ideias para o futuro que é deles, sobretudo.
Por norma, as limitações geram incompreensão, revolta, desafio, aceitação e conformismo. E, de certeza, tantos outros estados de que não me estou a lembrar, mas a aceitação é a que leva a palma. Ao aceitar estamos a compreender e daí vem o sossego. Se a infecção por COVID fosse a única doença que nos provocasse inquietação, mas não, estamos carregados de medos e ansiedades de tantas outras. E de culpa. E se não cheguei a todos os dedos quando passei as mãos pelo gel? e se? e se?
Anda a ser complicado manter a inocência que, mais por teimosia do que por crença, não quero abandonar. Já me parece um balão que mal controlo; valem-me os pássaros, de quem tanto gosto, que me ajudam a atrapalhar a sua subida e me fazem chegar o cordel.
é assim que ando a ver a minha vida e o mundo. Tem sido difícil mas é a minha estrada. E tenho aprendido, como todos e como sempre.
É surpreendente como os relacionamentos e os afectos têm mudado com o medo em pano de fundo, nalguns casos já se viam paredes de papelão, noutros adivinhavam-se embora enfeitados com exuberâncias panfletárias. Confesso que tive imensa dificuldade em eleger a pessoa que mais me decepcionou em 2020, mas consegui, não uma ou duas mas várias e juntei-as ao molho, abraçadas com fio de sapateiro – dá um ar artesanal – e lá estão no pódio. Quanto às que ficaram comigo, na plateia, agradeço-lhes a lealdade.
Não tem sido fácil e não será tão cedo, certamente, mas não pode vencer o cinismo e o egoísmo. É tão cru e tão feio. Os dias sobreviventes sem o calor do desejo de saber como vão os que queremos, sem a generosidade de bem fazer são um adiamento e penso que, decorrido todo este tempo, já temos a certeza que a responsabilidade individual é a atitude inteligente que podemos ter.
à falta de razões que justifiquem raivas ou emoções afins, desdobra-se a hipocrisia em facetas risíveis. Isto porque nunca, por nunca, são falados abertamente os pormenores mesquinhos que dão origem a atitudes parvas.
E está bem visto.
Seria como desarmar exércitos, serviços de espionagem e de contra espionagem e passarmo-nos a entender, não porque pensássemos todos da mesma maneira, antes porque respeitaríamos as nossas diferenças.
Mas não, parece que não é boa ideia.
De modo que cá andamos com a distância social, justificadíssima por razões sanitárias, a que juntamos a distância da parvoíce e ainda outras distâncias que, conforme a criatividade e o umbigo de cada um, se considerem atendíveis.
Tem a ver com amor, porque é a que conta. Nesse durante vai-se conhecendo tudo o que há para saber ou para ignorar.
Da intimidade à banalidade vai um passo de amor, ou muitos. Tudo faz sentido se nos sentimos inquietos para ver, sorrir e estar com quem amamos, não queremos outro sítio.
Sabemos que todas as histórias de amor parecem ridículas, menos a nossa. Barnes também engrandece a sua e, ainda por cima, escreve tão bem.
Bingo. Boa inspiração e um filme bem conseguido (nem sempre uma coisa leva à outra). Adorei.
Ver passar os dias em Nazaré, Paris ou Nova York e assistir ao fluxo quotidiano das cidades sem praticamente nada dizer e com elevado sentido da realidade, só pode levar ao silêncio e à comicidade.
Arthur Schopenhauer dizia que o bom humor é a única qualidade divina do homem. Suleiman aproveita bem o seu dom para apelar pela sua Palestina, sem as grandes e justas argumentações que podem ser ditas, antes com um nonsense que não se esquece.