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agalma

talvez a emoção que menos estimule o poeta seja a alegria, tão breve e rara de sentir

talvez a emoção que menos estimule o poeta seja a alegria, tão breve e rara de sentir

de conversas ouvidas na espanada, do tipo investimento e juros

Querida madrinha

Espero e desejo que se encontre bem. Nós também estamos.

Madrinha há já tanto tempo que lhe quero escrever mas os dias passam a voar e não tenho tempo para nada. Hoje estou a fazer questão de lhe dar notícias porque de manhã, quando estava a pôr os brincos que me mandou no Natal passado, fiquei cheia de saudades suas.

Estamos a pensar em ir no próximo fim de semana ao Porto com uns amigos que têm lá uma quinta e pensei que, mesmo que o Bernardo lá fique com os miúdos, vou eu aí para dar um beijinho à Madrinha. Não é longe e dá para conversarmos um bocadinho. Depois ligo-lhe para acertar.

Mas se, por qualquer motivo, eu não for, desejo-lhe, desde já, Madrinha, um Santo e Feliz Natal.

Vamo-nos falando.

Beijinhos Madrinha

Rita

 

 

Querido ex-marido

Não estranhes o bom tratamento, porque já passou muito tempo e os acertos estão feitos.

Acabei de sair de um concerto e ainda é cedo para jantar, de modo que envolvida já por todo o ambiente de festa natalícia, comprei alguns presentinhos e lembrei-me de ti. De ti e das tuas gémeas, que devem estar agora com oito ou nove anos, não? Há tantas roupas e brinquedos bonitos para essas idades. Deves andar numa fona de felicidade e correria.

Tu, que sempre foste parado.

É sempre intrigante ver do que somos capazes.

Mas, como te disse, lembrei-me de ti por todo este ambiente de comunhão familiar, que reforço, e desejo-te umas Festas Felizes.

Mafalda

Natal

O Natal já não é o que era. Nem o clima. Nem o emprego. Nem nada. Tudo mudou mais rapidamente do que as previsões tinham calculado.

Em pouco tempo, o Natal passou de festa simples e de princípios morais a uma obrigação de felicidade competitiva, gerando uma ansiedade do tamanho das ondas da Nazaré. Ornamentos, ementas, prendas - que, aliás, raramente satisfazem as expectativas – e a supervisão de cada um relativamente à disposição do outro. E não bastando já os habituais amuos que circulam em todas as famílias sem chegar a haver esclarecimentos ou justificações - seja por desconfianças, ciumeiras, protagonismos, esquecimentos de consultas importantes -, enfim melindres, temos também o paralelo com aquela espécie de alegria aligeirada que é o facebook.

Passámos a estar informados, quase ao minuto, sobre o que pensavam os amigos acerca das fotografias que alguém tinha posto em rede, comparando com outras de alguém que se conhece ou de quem já se ouviu alguma história, se não de todos, pelo menos de um ou de outro. A tentação é pensar que estas interferências chegam em boa hora, porque, se assim não fosse, o silêncio e os pequenos incómodos se notariam mais. Mas quase nunca é verdade, são silhuetas de bem estar.

É difícil tentar competir com encenações e as famílias têm-se ressentido desta comparação que não é leal. A partilha dos dias e das noites em casa, as refeições, o supermercado, o pagamento de contas, a avaria disto ou daquilo, as queixas dos filhos, as doenças, o peso do ambiente do trabalho e a correria para lá chegar, tudo isto não pode ser comparado com uma fotografia que alguém publica com óculos de sol numa esplanada e com uma legenda a dizer que ser feliz é para quem sabe, ou qualquer coisa do género. Eu penso que isto só dá para rir. Mas, pelos vistos, desencadeia uma espécie de incapacidade e desalento por não se saber viver tão bem. E porque precisamos de fantasias, especialmente se parecerem fáceis, assume-se esta ligeireza como padrão a seguir. É perigoso, não pela brincadeira, mas pela negação implícita a tudo o que não seja fácil, nomeadamente a família, que passa a ser olhada com aborrecimento e contrariedade. E é bom que diga que considero de família os amigos de há muito, que nos conhecem e que conhecemos.

A verdade é absolutamente necessária, se calhar hoje mais do que nunca com o excesso de apelos, porque temos de ter a certeza que vamos por aqui, em vez de ir por ali.

Voltando ao principio, o Natal já não é o que era, mas ainda é muito, é uma época de que gosto muito e que me traz sempre a memória e a felicidade de todos os Natais que já vivi.

sentir

Sentaram-se na esplanada como dois papéis amachucados, prontos para irem para o lixo. Sem préstimo.

Quando acabaram de tomar café, levantaram-se, ele pôs-lhe o braço no ombro e ela encostou-se ligeiramente.

Caminharam honrando a incompetência que sentiam ser.

É proibido ser cínico

Espero, com alguma ansiedade, ver este aviso por aí espalhado. É que afecta os ouvintes passivos, os que não participando nas conversas, ouvem.

Não é saudável, fazendo, por isso, muito mal à saúde pública.

hipocrisia

Tenho um detetor (de última geração, a avaliar pela competência) que não me dá sossego em certas conversas, activa logo o on. É lamentável desperdiçar tempo e palavras a trocar conceitos e banalidades que nada têm a ver com o que se pensa de forma séria e honesta. Entra-se na tal corrente do politicamente correcto e da hipocrisia oficial.

Pouco posso fazer contra esta ambição palerma e primária, mas posso não alinhar. A pretensão absurda de que se pode viver aldrabando e sacaneando porque se está a cumprir as entrelinhas deste manual politicamente correcto, deste policiamento bufo, é acabar com a autenticidade e a solidariedade, valores que deveriam ser, acima de tudo, de privilegiar.

Vivemos numa sociedade doente com muito para fazer, esbarrando, no entanto, em respostas cínicas e empobrecedoras da nossa humanidade.

Eu, sempre que posso, fujo, mas enquanto estou, é com os olhos bem abertos.

Desconfiada e admirada com a dessincronização entre o que se pensa ou faz e o que se diz.

tenho sempre

tantas coisas para te contar,

do rapaz ainda novo e desamparado a andar para cá e para lá no paredão, ou

do outro, um pouco mais velho, que escreve sem parar sentado numa pedra,

ou da menina que parece mais feliz que qualquer fantasia.

Ligas pouco ao que te conto. Por isso escrevo.

Acho que ao rapaz mais novo morreu-lhe a mãe há pouco tempo e deixou de sentir ternura no mundo. Tem o coração e o olhar de luto.

O homem mais velho escreve sem parar aos filhos e à mulher que ficaram noutro país. E tenta o impossível, que o que escreve com dor e cansaço chegue lá como força e alegria.

A menina feliz é muito amada, o que lhe dá toda a segurança e audácia.

Dizes que invento muito.

Não concordo.

Por isso não te falo das pessoas que vejo presas com molas da roupa, a escorrer humidade em dias de nevoeiro. Nem das outras que vivem, por dentro, em seca severa.

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