Paul Bowles, Memórias de um nómada
Tinha começado a ler esta autobiografia quando foi declarada a pandemia, o terrível caos que estamos a viver, sem fim à vista e com a angústia de pouco podermos fazer, a não ser ficar em casa. Sozinhos. Nunca imaginei uma situação em que a gravidade e a apreensão não fossem vividas em matilha. Mãos e colo, panelas e tabuleiros no forno. Deve ser por isso que nunca gostei de filmes de ficção científica, achava tudo dramático e inverosímil. Tal como agora.
Este livro ajudou-me, várias vezes, a sair do momento. Escrito já no final da sua vida, em Tânger lugar paixão do escritor, fala com minúcia de toda a sua vida, dos locais onde viveu, e foram muitos, e da persistência em viver da arte. Compositor, fotógrafo e escritor, corre meio mundo em inúmeras viagens e vai falando de grandes nomes do seu tempo com quem se cruzou ou foi amigo. Intranquilo e curioso por outras paisagens e culturas começou a viver de pequenos textos que ia escrevendo. Ao mesmo tempo ia deixando aqui e ali pautas com músicas que criava até às tantas. Não poupa pormenores com o aluguer de casas, transporte de pianos, comidas ou compras, e é delicioso.
Intrigante é o acaso, o desconcerto. Toda esta mobilidade nas minhas mãos, a fazer intervalos com o nosso confinamento.