É o que nos diz a pandemia e o que vamos vendo no correr dos dias. Correr em casa, ginasticar braços e pernas, ler e ligar o vídeo, onde nos avistamos distorcidos em intimidade doméstica. Ou nem isso.
Cansada, farta e desanimada. Já não aguento as excelentes ideias para se passar, de maneira positiva, estes dias.
Até os directos de artistas me deprimem, falta encenação, estrutura e pessoas. Caras, roupas, expressões e reacções, que fazem a diferença nos concertos, assim como o ir e voltar.
Tudo triste em vésperas do 25 de Abril, no ano de 2020.
Como é que chegámos aqui e como é que vamos sair?
Como é que vamos sacudir o medo, já tão entranhado?
Ainda bem que as visitas neste blog praticamente não saem do zero, porque não estou recomendável.
Ainda assim, reconheço neste sentir alguma liberdade.
Leio-te e entristece-me a distância. Toda a nudez da alma e maus tratos do corpo não deixam espaço para afagos, não aceitas mãos que te levantem. Dói assistir a tamanha fuga para o teu umbigo. Falta-te humildade e só a arrogância te salva. Orgulhas-te, e com razão, na sensibilidade e intelectualidade com que olhas para o mundo - de longe ou de muito longe mesmo - mas para quem te ama fica muito por entender. Devias duvidar, de vez em quando, da claridade do teu sentir e acreditar no sofrimento que, como humanos racionais, todos sentimos.
E é por isso que raramente te sinto mais frágil do que os atentos de mãos e pés. Tocam-se cordas diferentes mas seria bom perderes um pouco de tempo a ouvir outras sintonias. Ficávamos todos a ganhar.
as dores de corpo foram sempre acompanhadas com as da alma, se não do próprio doeram a quem os ama, e tantas vezes com uma dor de alma dá-se cabo do corpo. Todos sabemos.
Esta pandemia sabe de desgraças. Da lepra, da peste negra, da asiática, da gripe espanhola e de tantas outras que têm sacudido pessoas em todos os tempos. Sabe de terramotos e de incêndios. Sabe da pobreza.
Tenho-me lembrado do que ouvi na escola, em miúda, sobre a inauguração do Titanic. Dizia o comandante John Smith Even God himself couldn’t sink this ship, tal era a confiança na engenharia e materiais usados na sua construção. Como se deu o naufrágio todos conhecemos a história. Dá que pensar, aliás a vida dá sempre que pensar.
É mirabolante o que estamos a viver. Pessoas de idade impedidas de tentar enganar a angústia com os filhos, netos, primos ou amigos. Os internados, por doença ou em lares, não podem recolher força das mãos da família. Os mais novos com empregos e filhos para tratar, comida, banhos, roupa e brincadeiras, mantendo a crença no futuro. As crianças também veem muito ameaçado o que há um mês e tal era terreno seguro.
Andamos todos no learning by doing. E há muita gente a fazer com força e sentido o que tem de ser feito, que é seguir em frente, com precaução e inteligência. Temos tido liderança com firmeza e com humanidade, embora as consequências já se adivinhem, como é costume, arrasadoras para os mais pobres e frágeis. Ainda que compreendendo, é difícil encaixar tanta distância e solidão.
Vamos ver se quando nos pudermos tocar, beijar e abraçar nos iremos lembrar dos dedos doridos da lixivia, que já vão ficando deformados por não se entrelaçarem em dedos amados e distantes.