obrigada pela dança, Jorge Palma
não sabes, mas cantamos juntos há muitos anos, como o azeite gallo. Já passaram mil anos sobre o nosso encontro e continua a ser uma festa e um consolo.
Puro entendimento.
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não sabes, mas cantamos juntos há muitos anos, como o azeite gallo. Já passaram mil anos sobre o nosso encontro e continua a ser uma festa e um consolo.
Puro entendimento.
O inferno, pensou, são os tratados de Psiquiatria, o inferno é a invenção da loucura pelos médicos, o inferno é esta estupidez de comprimidos, esta incapacidade de amar, esta ausência de esperança, esta pulseira japonesa de esconjurar o reumatismo da alma com uma cápsula à noite, uma ampola bebível ao pequeno-almoço e a incompreensão de fora para dentro da amargura e do delírio, e se não vou para dentista na mecha fico um maluco tão sórdido e tão sem graça como eles.
Não tinha coragem de me pirar por meu turno do Bombarda, de me despir rua abaixo do cheviote psiquiátrico que me vestia por fora e por dentro, para passear, na cara estupefacta dos cisnes do Campo de Santana, tão silenciosos, tão educados, tão estúpidos, tão de baquelite na pele verde do lago….. não tinha coragem de mandar à merda a medicina, a psicanálise, os tranquilizantes, os antidepressivos, a psicoterapia, o psicodrama, a puta que os pariu. Recebia o cheque pontualmente todos os meses e fingia acreditar no meu trabalho.
Uma espécie de repugnância, de nojo, de zanga crescia em mim numa onda de marés, e apetecia-me empurrá-los, … apetecia-me enxotá-los na direcção do portão até que recuperassem a insolência, o desafio, o orgulho, o desprezo, a firmeza, até que levantassem o queixo da mesa e me fixassem, no refeitório nauseabundo e húmido, sorrindo de altivez e de sarcasmo.
… de todos os médicos que conheci os psicanalistas, congregação de padres laicos com bíblia, ofícios e fiéis, formam a mais sinistra, a mais ridícula, a mais doentia das espécies. Dividem o mundo das pessoas em duas categorias inconciliáveis, a dos analisados e a dos não analisados, ou seja, a dos cristãos e a dos ímpios, e nutrem pela segunda o infinito desprezo aristocrático que se reserva aos gentios, aos não baptizados, aos que não se estendem numa cama para narrarem a um prior calado as suas íntimas e secretas misérias, as suas vergonhas, os seus medos, os seus desgostos. Nada mais existe no universo para além de uma mãe e de um pai titânicos, gigantescos, quase cósmicos, e de um filho reduzido ao ânus, ao pénis e à boca, que mantém com estas duas criaturas insuportáveis uma relação insólita de que se acha excluída a espontaneidade e a alegria.
- É preciso fazer qualquer coisa
e não percebiam que a única coisa a fazer era destruir o hospital, destruir fisicamente o hospital, os muros leprosos, os claustros, os clubes, a horta, a sinistra organização concentracionária da loucura, a pesada e hedionda burocratização da angústia, e começar do princípio, noutro local, de uma outra forma, a combater o sofrimento, a ansiedade, a depressão, a mania.
Não é difícil perceber quem, esbarrando em tanta miséria, preconceitos e precaridade, se vê reduzido a atestar o que já não pode ser remediado, ficando com o coração cheio de penas e sem alternativas de aplicar o que seria suposto ser vivido com empenho e entusiasmo. Com este terceiro livro, 1980, deixou de exercer psiquiatria e, felizmente, ganhámos um escritor que, para além da agudeza e sensibilidade, ainda nos deixa o testemunho de situações que só podem ser vistas de dentro. Duro, difícil, imperdível.
Se és capaz de manter a tua calma quando
todo o mundo ao redor já a perdeu e te culpa;
De crer em ti quando estão todos duvidando,
e para esses no entanto achar desculpa;
Se és capaz de esperar sem te desesperares,
ou, enganado, não mentir ao mentiroso,
ou, sendo odiado, sempre ao ódio te esquivares,
e não parecer bom demais, nem pretensioso;
Se és capaz de pensar - sem que a isso só te atires,
de sonhar – sem fazer dos sonhos teus senhores,
se encontrando a desgraça e o triunfo conseguires
tratar da mesma forma esses dois impostores;
Se és capaz de sofrer a dor de ver mudadas
em armadilhas as verdades que disseste,
e as coisas, por que deste a vida, estraçalhadas,
e refazê-las com o bem pouco que te reste;
Se és capaz de arriscar numa única parada
tudo quanto ganhaste em toda a tua vida,
e perder, e ao perder, sem nunca dizer nada,
resignado, tornar ao ponto de partida;
de forçar coração, nervos, músculos, tudo
a dar seja o que for que neles ainda existe,
e a persistir assim quando, exaustos, contudo,
resta a vontade que em ti ainda ordena: persiste!;
Se és capaz de, entre a plebe, não te corromperes
e, entre reis, não perder a naturalidade
e de amigos, quer bons, quer maus, te defenderes,
se a todos podes ser de alguma utilidade,
e se és capaz de dar, segundo por segundo,
ao minuto fatal todo o valor e brilho,
tua é a terra com tudo o que existe no mundo,
e - o que ainda é muito mais – és um Homem, meu filho!