Shohei Imamura, A Balada de Narayama
Vi este filme por volta dos meus vinte anos e não o voltei a ver nem procurei informação, para além do nome do realizador. Já lá vão quase quarenta anos. Do que me lembro, para além dos amigos e da sala do Apolo 70, é que saí arrasada. Aos vinte anos a vida não é uma preocupação e a velhice é uma questão pacifica, porque longínqua, mas a sensibilidade tem poucas defesas e o filme é brutalmente real, passado numa aldeia pobre, onde se sobrevive, literalmente, e onde a poesia só vem do som e do movimento do vento que passa no monte Narayama.
Ao longo deste tempo por várias vezes me tenho lembrado do filme sem, no entanto, ter mexido um dedo para o rever. Não quero, embora ultimamente seja recorrente comparar o que me indignou e doeu com o que fazemos aos nossos velhos que amamos. E do que me lembro é de uma mãe meiga, lúcida e válida mas que tem de dar o seu lugar na casa aos mais novos que vão chegando e, dado que se aproxima dos setenta anos - idade com que são levados montanha acima pelos filhos mais velhos para aguardarem a morte – ainda com os dentes bons, parte-os com uma pedra, para acelerar a decadência.
À aceitação da moral de cada época pouco se pode fugir. O facto de o filme ser baseado numa lenda da cultura japonesa dá-nos uma margem geográfica para respirar fundo. Mas não demasiado, porque a ganância tem devorado a dignidade das pessoas em todas as épocas e países.
Não podemos abrandar a coragem de lutar por uma melhor distribuição da riqueza. Também não podemos abrandar a força da poesia nas nossas vidas.