Tempos modernos – a realização e o sustento (I/IV)
Rita acordou e sentiu-se cansada ainda antes de se levantar da cama. Quem é que se tinha lembrado de sugerir uma reportagem muito especial sobre os ciganos, vivendo com eles durante um mês, dia a dia e todos os minutos? Ninguém, só ela e aquele turbilhão no estomâgo de querer ir sempre mais longe. É certo que, hoje em dia, por causa do desemprego e da inerente criatividade necessária para arranjar trabalho qualquer um se excede em empenho, mas, caramba, esta é a terceira manhã que acorda no acampamento. É o barulho que mais a sacode. Muita gente e muito barulho, apesar de dominar a boa disposição, as tarefas são feitas em conjunto, chama-se por alguém, grita-se com outros, fala-se do que se fez, do que se vai fazer, fala-se e fala-se. Quando começou as pesquisas no google e leu uns artigos achou tudo muito atraente, sobretudo a música, mas também as origens, o não viver de maneira rotineira, a revigoração da vida nómada e outra vez a música e as danças, claro, a alegria. Tão longe lhe parecem já as rotinas na sua casinha de Alvalade.
Ontem, já bastante tarde, enviou por e.mail a primeira parte do artigo. Vamos lá ver o que pensa a Directora Paula Gomes. Não deve ser fácil gerir a revista mensal que começou há seis meses. Foi muito díficil encontrar um nome simples, apelativo e que fizesse justiça à filosofia da sua criação. Concordaram, mas não por unanimidade, com Harmonia, uma revista de formato sóbrio, tendo como preocupação essencial a preservação do ambiente e a sustentabilidade da vida no nosso planeta, tão ameaçados, e, como decorrentes, os temas que acarinham equilíbrios quer seja em comunidades, agricultura, desporto e artes. Como inimigo têm a indústria e o lucro desenfreado.
Da equipa fazem parte a Paula - que foi professora de letras durante quatro ou cinco anos e que além de grande consciência cívica tem um cuidado estético e precioso com as palavras -, o Helder que gostava de investir o dinheiro herdado em projectos que lhe dessem prazer e, como ele diz, que o façam sentir-se mais alto, o Bruno que depois de acabar o curso de audiovisuais andou a trabalhar como motorista num colégio da linha e que agora anda doido de contente com as máquinas atrás e tem tantas ideias que ele próprio se baralha, o Fernando na área da economia e que trabalha com a convicção que é agora que o mundo se vai reequilibrar e a Rita, que depois do curso de sociologia planeava trabalhar com jovens em dificuldades, percebeu que o mundo inteiro não anda lá muito bem e vê na revista uma bandeira gigante, bailarina, que a todos vai tocar. Andam todos na casa dos trinta anos, a Paula nos quarenta e o Helder, o mais maduro, tem sessenta e três anos.